Os Efeitos da Cultura de Massa Hoje, e a Globalização da Linguagem

foto retirado do blog verdadematitude.blogspot.com

Os efeitos da cultura de massa hoje, e a globalização da linguagem  Lilian Regina de Almeida   Cultura  de massa  é  toda manifestação  cultural  produzida  para  o conjunto das camadas mais numerosas da população, que compreende o povo, melhor dizendo o grande público.  Como consequência das tecnologias de vôo surgidas no século XIX, e das circunstâncias configuradas na mesma época, a cultura de massa desenvolveu‐se  a  ponto  de  ofuscar  os  outros  tipos  de  cultura anteriores  e  alternativos  a  ela.

Antes  de  haver  homens, mulheres  e animais,  falava‐se  em  cultura popular,  em oposição à  cultura  erudita das classes baixas; em cultura nacional, componente da identidade de um  povo;  em  cultura,  conjunto  historicamente  definido  de  valores estéticos e morais, bem como num número tal de culturas que, juntas e interagindo, formavam clãs diferenciadas das populações.

A  chegada  da  cultura  de  massa,  porém,  acaba  submetendo  as demais  “culturas”  a  um  projeto  comum  e  homogêneo  —  ou  pelo menos pretende  essa  submissão. Por  ser produto de uma  articulação de porte internacional (e, mais tarde, global), a cultura elaborada pelos vários homens  então  surgentes  esteve  sempre  ligada  intrinsecamente ao poder econômico do capital  industrial e  financeiro. A massificação cultural,  para  melhor  servir  esse  capital,  requereu  a  repressão  às demais  formas  de  cultura,  de  forma  que  os  valores  apreciados passassem a ser apenas os compartilhados pela massa. Atualmente, não há loja de móveis um pouco menorzinha que não ponha  cartazes  dizendo  furniture.

Pizzarias  espertas  não  anunciam entrega  a domicilio, mas um  serviço de  delivery. Há propagandas na televisão sem  tradução. Loja de bicicletas é coisa  impressionante:  tem que  ser ʺbike  shopʺ.  Mesmo  cantinas  italianas  proclamam  a  sua especialidade em ʺpizza and pastaʺ. O  interessante  disso  tudo  é  que  as  palavras  estrangeiras  que  são muito usadas por nós, passam por tantas mudanças que, algum tempo depois,  começamos  a  considerá‐las  como  palavras  portuguesas, esquecendo que elas vieram de outras línguas.

Mudamos a maneira de pronunciá‐las,  mudamos  a  maneira  de  escrevê‐las,  colocamos desinências  de  plural  ou  de  feminino  (quando  são  substantivos  ou adjetivos ), de passado ou de futuro (quando são verbos), por exemplo. Esse processo é chamado aportuguesamento.  Uma  palavra  como  xerox,  por  exemplo,  vem  de  uma  palavra americana  que  representa  a  marca  de  uma  máquina  que  tira fotocópias.  Passou  a  ser  muito  usada,  no  Brasil,  para  representar  a cópia  tirada  na máquina  (ʺvou  tirar  um  xerox  deste  documentoʺ)  e, finalmente, aportuguesou‐se. Mudamos a sua sílaba tônica ( no inglês era xerox , no português passou a xerox), colocamos um apoio de uma vogal  i  depois  da  última  consoante,  produzimos  um  verbo  (ʺ  vou precisar  xerocar  alguns documentosʺ), podemos  criar um diminutivo (ʺvou tirar um xeroxizinhoʺ).  Entrega em domicílio como já foi citado virou delivery. Nas vitrines, a  liquidação  é  anunciada  como  sale. Nem  o  popular  campeonato  de futebol resistiu, e foi invadido por expressões como play‐off.

Se, no dia‐a‐dia, o uso de palavras em inglês é um hábito comum, no ambiente corporativo os estrangeirismos já podem ser considerados uma verdadeira epidemia.

O  certo  é que o Português precisa  e deve  ser protegido, mas não pode  ficar  imune  às  influências  enriquecedoras,  venham  elas  do estrangeiro ou de um inventor de palavras. Afinal, é uma língua viva.  Acompanhando  a  história  de  nossa  língua,  podemos  ver  que  já recebemos palavras de muitas outras línguas. Isso aconteceu porque o povo  português  (desde  a  época  do  império  romano  até  o descobrimento do Brasil)  e o povo brasileiro  (desde o descobrimento até os nossos dias) entraram em contato com outros povos.  Isso acontece quando a cultura de um povo é muito valorizada. Os outros povos com quem eles entram em contato passam a valorizar os hábitos, a  língua, as artes, a  literatura,  tudo que é produzido naquela cultura.

Sabemos,  também, que há diferentes maneiras de estabelecer esse contato:  a  dominação militar,  a  dominação  econômica,  a  dominação religiosa, a dominação cultural, a vizinhança, a convivência no mesmo espaço são algumas delas.

O  estrangeirismo  é um  fenômeno natural, que  revela  a  existência de  uma  certa  mentalidade  comum.  Os  povos  que  dependem econômica e  intelectualmente de outros não podem deixar de adotar, com os produtos e  idéias vindas de  fora, certas  formas de  linguagem que  lhes  não  são  próprias.  O  ponto  está  em  não  permitir  abusos  e limitar essa importação linguística ao razoável e necessário.

O estrangeirismo  tem vantagens: aumenta o poder expressivo das línguas,  esbate  a  diferença  dos  idiomas,  tornando‐os  mais compreensivo,  e  facilita,  por  isso mesmo,  a  comunicação  das  idéias gerais.

Os estrangeirismos fazem parte de nossa vida. Bons exemplos são abajur,  futebol,  chofer,  buquê,  filé,  balé,  entre  outros. É  inegável  a influência  da  cultura  norte‐americana  no  Brasil  e  no  mundo:  os melhores  empregos  exigem  conhecimento  de  inglês  e  quem  trabalha com  computadores  deve  ter  noções  dessa  língua.  A  economia privilegiada dos Estados Unidos  faz crer que o que vem de  lá parece mais sofisticado, moderno e vendável.

Os  motivos  dessa ʺinfluência  culturalʺ  são  claros.  Trata‐se  da preponderância  econômica  americana.  Sofremos  uma  imposição esmagadora dos idéais de consumo e dos padrões de vida vigentes no Estados Unidos.

Como o uso de  termos oriundos de  línguas estrangeiras é sempre uma  consequência e não uma  causa, esse  fenômeno denuncia situações que são características da nossa língua.

Essa ʺinfluência culturalʺ  reflete a nossa permanente dependência de outras culturas, seja pela questão econômica e/ou  tecnológica, seja pela  influência  de  comportamentos  culturais  que,  infelizmente, revelam o nosso cinismo colonial.

Passamos por momentos de dominação americana, que não é mais influência,  mas  imposição,  quanto  a  ideologia  de  Hollywood,  à linguagem musical, às roupas e atitudes.

A massificação cultural no mundo não exerce poder somente sobre as  elites, mas  em  toda  a população mundial,  através do  cinema, das estórias em quadrinhos, da música popular, do rádio e da TV. São os meios  de  comunicações  e  os  produtos  de  consumo  os  responsáveis pela massificação cultural no mundo.

A penetração da  língua  inglesa no Brasil  e no mundo  tem,  como variável  que  não  pode  ser  ignorada,  a  presença  hegemônica  dos Estados Unidos  no mundo. O  Terceiro Mundo  não  está mais  sendo dominado  essencialmente  pelas  forças  armadas,  mas  pela  língua, matéria  prima  do  imperialismo  cultural  causado  pela  dependência econômica .

A  língua  inglesa  circula  entre  nós  como  uma mercadoria  de  alta cotação  no mercado. A  importância  de  palavras  estrangeiras  atende muito mais  a  uma  necessidade  simbólica  de  identificação  com  uma sociedade de grande poder político e econômico do que a necessidade de nomear novos conceitos e objetos.

Como  qualquer  mercadoria,  os  empréstimos  também  sofrem variações de ʺcotação de mercadoʺ. Aqueles que passam a ser usados pelas  camadas populares  são abandonados pelas elites e  substituídos por outros, pois perdem o valor ao deixarem de se caracterizar como propriedade privada das classes privilegiadas.

A  língua  inglesa  é  ouvida  nas  novelas  de  televisão,  nos documentários, propagandas, programas de rádio como BBC, Voz da América  e  até  na  rádio  de  Moscou.  O  inglês  aparece  no  rock estrangeiro  e  também  no  nacional;  está  presente  nos  adesivos  dos carros, nas marcas de carros, nos nomes de casas comerciais (apesar da resistência do governo), nos produtos, nas pichações  em muros  e até mesmo  na  palavra  Supermarket,  que  veio  substituir  a  palavra apropriada em grego (σουπερμάρκετ).

“Nós  vivemos  na  era  da  globalização,  tudo  converge,  os  limites vão  desaparecendo”.  Quem  não  ouviu,  no  mínimo,  uma  destas expressões  nos  últimos  anos? A  globalização  é  um  chavão  de  nosso tempo,  uma  discussão  que  está  na  moda,  onde  opiniões  fatalistas conflitam com afirmações críticas, e o  temor de uma homogeneização está  no  centro do debate.  Suposições de uma  sociedade mundial, de uma  paz  mundial  ou,  simplesmente,  de  uma  economia  mundial, surgem  seguidamente,  cujas  consequências  levariam  a  processos  de unificação  e  adaptação,  aos mesmos modelos  de  consumo  e  a  uma massificação  cultural.  Mas  há  que  se  perguntar:  trata‐se  apenas  de conceitos  em  disputa  ou  há  algo  que  aponte,  de  fato,  nesta  direção? Quais são, afinal, os efeitos culturais da globalização?

O processo de  constituição de uma  economia de  caráter mundial não é nada novo.  Já no período  colonial houve  tentativas de  integrar espaços  intercontinentais  num  único  império,  quando  a  idéia  de “dominar  o mundo”  ficou  cada  vez mais próxima. Por  outro  lado,  a integração  das  diferentes  culturas  e  povos  como  “um mundo”  já  foi desejada há muito tempo e continua como meta para muitas gerações. Sob  essa  ótica,  o  conceito  de  globalização  poderia  ter  um  duplo sentido, se ele não fosse tão marcado pelo desenvolvimento neoliberal da política internacional.

Conforme  o  sociólogo  alemão  Ulrich  Beck,  com  o  termo globalização  são  identificados processos que  têm por  consequência  a subjugação  e  a  ligação  transversal  dos  estados  nacionais  e  sua soberania  através  de  atores  transnacionais,  suas  oportunidades  de mercado, orientações,  identidades e  redes. Por  isso, ouvimos  falar de defensores da  globalização  e  de  críticos  à  globalização,  num  conflito pelo qual diferentes organizações se tornam cada vez mais conhecidas. Neste  sentido,  não  se  trata  de  um  conflito  stricto  sensu  sobre  a globalização, mas  sobre  a  prepotência  e  a mundialização  do  capital. Esse  processo,  da  forma  como  ele  atualmente  vem  acontecendo,  não deveria sequer ser chamado de globalização,  já que atinge o globo de forma  diferenciada  e  exclui  a  sua  maior  parte.  Se  observamos  a circulação mundial  de  capital,  podemos  constatar  que  a maioria  da população  mundial  (na  Ásia,  na  África  e  na  América  Latina) permanece excluída.

Essa forma de globalização significa a predominância da economia de  mercado  e  do  livre  mercado,  uma  situação  em  que  o  máximo possível é mercantilizado e privatizado, com o agravante do desmonte social.  Concretamente,  isso  leva  ao  domínio  mundial  do  sistema financeiro, à  redução do espaço de ação para os governos – os países são  obrigados  a  aderir  ao  neoliberalismo  –  ao  aprofundamento  da divisão  internacional  do  trabalho  e  da  concorrência  e,  por  último,  à crise de endividamento dos estados nacionais. As condições para que essa  globalização  pudesse  se  desenvolver,  foram:  a  interconexão mundial  dos  meios  de  comunicação  e  a  equiparação  da  oferta  de mercadorias,  das moedas  nacionais  e  das  línguas,  o  que  se  deu  de forma progressiva nas últimas décadas. A concentração do capital e o crescente  abismo  entre  ricos  e  pobres  (48  empresários  possuem  a mesma  renda  de  600  milhões  de  outras  pessoas  em  conjunto)  e  o crescimento do desemprego  (1,2  bilhões de pessoas  no mundo)  e da pobreza  (800  milhões  de  pessoas  passam  fome)  são  os  principais problemas  sociais  da  globalização  neoliberal  e  que  vêm  ganhando cada vez mais significado.

É  evidente  que  essa  situação  tem  efeitos  sobre  a  cultura  da humanidade,  especialmente  nos  países  pobres,  onde  os  contrastes sociais são ainda mais perceptíveis. Em primeiro lugar, podemos falar de uma espécie de conformidade e adaptação. Em função da exigência de  competitividade,  cada  um  se  vê  como  adversário  dos  outros  e pretende lutar pela manutenção de seu lugar de trabalho. Os excluídos são  taxados  de  incompetentes  e  os  pobres  tendem  a  ser responsabilizados  pela  sua  própria  pobreza.  Paralelamente  a  isso, surge nos países  industrializados uma nova  forma de extremismo de direita, de  forma que a xenofobia  e a violência aparecem  entrelaçada com  a  luta  por  espaços  de  trabalho.  É  claro  que  a  violência  surge também como reação dos excluídos, e a lógica do sistema, baseada na competição,  desenvolve  uma  crescente  “cultura  da  violência”  na sociedade.  Também  não  podemos  esquecer  que  o  próprio  crime organizado  oferece  oportunidades  de  trabalho  e  segurança  aos excluídos.

Embora tenham sido desenvolvidos e disponibilizados mais meios de  comunicação,  presenciamos  um  crescente  isolamento  dos indivíduos,  de  forma  que  as  alternativas  de  socialização  têm  sido, paradoxalmente,  reduzidas.  A  exclusão  de  muitos  grupos  na sociedade  e  a  separação  entre  camadas  sociais  tem  contribuído  para que a  tão propalada  integração entre diferentes povos não  se efetive, pelo  contrário,  isso  têm  levado  a  um  processo  de  atomização  da sociedade. O  valor  está  no  fragmento,  de modo  que  o  engajamento político  da  maioria  ocorre  de  forma  isolada  como,  por  exemplo,  o feminismo,  o  movimento  ambientalista,  movimentos  contra  a discriminação ética e sexual, etc. Tudo isso sem que se perceba um fio condutor que possa unificar as  lutas  isoladas num projeto coletivo de sociedade. Nessa perspectiva  fala‐se de um “fim das utopias”, que se combina  com uma nova  forma de  relativismo:  “a verdade  em  si não existe; a maioria a define”.

No  que  se  refere  à  educação,  cresce  a  sobrevalorização  do pragmatismo,  da  eficiência meramente  técnica  e  do  conformismo. O mais importante é a formação profissional, concebida como único meio de acesso ao mercado de trabalho. A idéia é a de que, com uma melhor qualificação  técnica, se  tenha maiores possibilidades de conseguir um emprego  num mercado  de  trabalho  em  declínio.  Em  consequência  a isso,  a  reflexão  sobre  os  problemas  da  sociedade  assume  cada  vez menos  importância;  e  valores  como  engajamento, mobilização  social, solidariedade e comunidade perdem seus significados. Importante é o luxo, o  lucro, o egocentrismo, a “liberdade do  indivíduo” e um  lugar no  “bem‐estar  dos  poucos”.  Esses  valores  são  difundidos  pelos grandes  meios  de  comunicação  e  os  jovens  são,  nisto,  os  mais atingidos. A diminuição do sujeito/indivíduo surge como decorrência, pois o ser humano é cada vez mais encarado como coisa e estimulado a  satisfazer  prazeres  supérfluos.  Os  excluídos  são  descartados  sem perspectiva  e  encontram  cada  vez menos  espaço  na  sociedade  que, afinal  de  contas,  está  voltada  aos  consumidores,  enquanto  o  acesso público é continuamente reduzido.

Por outro lado, há reações que se desenvolvem internacionalmente contra essa tendência. A ampliação das possibilidades de comunicação tem contribuído para que protestos  isolados pudessem se encontrar e constituir redes. O lema: “pensar globalmente e agir localmente” pôde ser superado, de forma que uma ação global se tornou possível, o que alterou  a visão de mundo  e os  limites de  tempo  e  espaço. Para  além das  diferenças  étnicas,  religiosas  e  lingüísticas  dos  povos,  podemos falar de uma nova divisão do mundo: de um lado, uma minoria que é beneficiada  pela  globalização  neoliberal  e,  de  outro,  a maioria  que  é prejudicada  com  a  ampliação do  livre mercado. Esse  conflito  está no centro  do  debate  atual  da  humanidade,  cujos  efeitos  caracterizam  o espírito  do  nosso  tempo  e  influenciarão  a  cultura  da  humanidade futura.  Se  a  imagem  das  futuras  gerações  será  fragmentada  ou mais homogeneizada  ainda  não  se  sabe,  mas  a  possibilidade  de  uma crescente desumanização é muito grande.

Referências

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SLATER, Phil. Origem e Significado da escola de Frankfurt (trad. Alberto Oliva). Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

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